PRR, a "bazooka" e a inflaçao
Começaram a rolar os estímulos à economia na UE. Portugal já recebeu os primeiros €2 mil milhões dos €16 mil milhões que vai receber no total. Mas afinal, o que significa esse "dinheiro", para onde vai e o que é que significa realmente na economia?
O que é a inflação? Em termos gerais, o termo inflação é utilizado quando existe um aumento generalizado dos preços dos bens e serviços. O resultado dessa subida de preços, é que por exemplo, com uma nota de €20 se compra menos. Por outras palavras, €20 valem menos do que anteriormente.
O cálculo é feito utilizando um "cabaz" de artigos para representar os bens e serviços consumidos pelas famílias ao longo de um ano. Cada um dos produtos incluídos nesse "cabaz" tem um preço, que pode variar com o tempo. A taxa de inflação homóloga é o preço do cabaz completo num determinado mês comparado com o seu preço, no mesmo mês, um ano antes.
Uma das causas da inflação é o aumento da emissão de papel-moeda por um Governo, no nosso caso, como estamos na zona Euro, é a Europa quem decide e BCE que emite, para cobrir os gastos do Estado. Quando isso acontece, há um maior volume de dinheiro em circulação no mercado mas não houve criação de riqueza ou aumento de produção. Nestes casos, é exigida maior quantidade de dinheiro para adquirir a mesma quantidade de produtos, resultando em inflação. Como os salários dos trabalhadores não são reajustados mensalmente, o seu poder de compra vai diminuindo.
Após a emissão, ou mesmo do anúncio, de mais dinheiro a inflação não é reflectida de imediato. Leva tempo para o dinheiro entrar na a economia real. Os bancos e outras instituições financeiras são os primeiros beneficiários e, em seguida, investidores ricos capazes de aceder a facilidades de crédito adicionais. Estas empresas e indivíduos estão em posição privilegiada na medida em que podem canalizar toda essa liquidez extra em activos financeiros, muitas vezes comprando a preços baixos. Normalmente é nos mercados financeiros que se reflecte de imediato a inflação.
O Efeito Cantillon
Um banqueiro e filósofo do século XVIII chamado Richard Cantillon notou uma versão inicial deste fenómeno. No século XVIII, quanto mais perto estava do Rei e dos ricos, mais beneficiava — de poder comprar activos financeiros a preços baixos e depois ver esses preços inflacionar. Só mais tarde é que os efeitos apareceriam noutros sectores, e quanto mais longe se encontrava da fonte do dinheiro, mais prejudicado se ficava — através de preços mais elevados dos alimentos ou de salários relativos mais baixos.
No seu ensaio "Essai sur la nature du commerce en général", ensaio sobre teoria económica (aqui traduzido para ingês) Cantillon concordou que um aumento de dinheiro "duro" num estado (lembre-se que o ouro e a prata eram as moedas de eleição na época) provocará um aumento correspondente do consumo e isso irá gradualmente produzir aumentos de preços, mas ao contrário dos economistas antes dele, ele foi o primeiro a articular como aconteceu.
A observação geral de Cantillon, de que a impressão de dinheiro tem consequências distributais que operam através do sistema de preços, é conhecida como o "Efeito Cantillon". O dinheiro, por outras palavras, não é neutro. Aqueles que mais beneficiam com o aumento da oferta de dinheiro são os que têm acesso a crédito e activos, ou aqueles que fornecem produtos e serviços a quem tem:
"Se o aumento do dinheiro vivo vier das minas de ouro e prata dentro do Estado, o proprietário destas minas, os empresários, as fundições, as refinarias e todos os outros trabalhadores aumentarão as suas despesas proporcionalmente aos seus lucros. Suas famílias consumirão mais carne, vinho ou cerveja do que antes. Habituar-se-ão a usar roupas melhores, a ter linhos mais finos e a ter mais casas ornamentadas e outros bens desejáveis. Por conseguinte, darão emprego a vários artesãos que não tinham muito trabalho antes e que, pela mesma razão, aumentarão as suas despesas. Todo este aumento das despesas com carne, vinho, lã, etc, reduz necessariamente a percentagem de outros habitantes do Estado que não participam inicialmente na riqueza das minas em questão. O processo de negociação do mercado, com a procura de carne, vinho, lã, etc, mais forte do que o habitual, não deixará de aumentar os seus preços. Estes preços elevados incentivarão os agricultores a usar mais terras para produzir no ano seguinte, e esses mesmos agricultores lucrarão com o aumento dos preços e aumentarão as suas despesas com as suas famílias, como as outras."
Enquanto isso, aqueles que perdem mais são os que têm rendimentos fixos ou baixos salários, longe da oferta monetária:
"Aqueles que sofrerão com estes preços mais elevados e o aumento do consumo serão, em primeiro lugar, os proprietários, durante o período de arrendamento, depois os seus funcionários domésticos e todos os trabalhadores ou trabalhadores fixos que apoiam as suas famílias com um salário. Todos eles devem diminuir as suas despesas proporcionalmente ao novo consumo, o que obrigará um grande número deles a emigrar e a procurar viver noutro local. Os proprietários vão dispensar muitos deles, e o resto exigirá um aumento salarial para viver como antes. É desta forma que um aumento considerável do dinheiro das minas aumenta o consumo e, ao diminuir o número de habitantes, uma maior despesa resulta dos que permanecem."
Eventualmente, a impressão de dinheiro apodrece o sistema de dentro para fora, agindo para reduzir a capacidade produtiva da economia:
"Se o dinheiro continuar a ser extraído das minas, a abundância de dinheiro aumentará todos os preços a tal ponto que não só os proprietários aumentarão consideravelmente as suas rendas quando os contratos de arrendamento expirarem e retomarem o seu antigo estilo de vida, aumentando os salários dos seus empregados proporcionalmente, mas os artesãos e trabalhadores aumentarão os preços dos artigos que produzem de tal forma que haverá ganhos consideráveis na compra de produtos estrangeiros, que os fabricam muito mais baratos. Isto irá, naturalmente, incentivar várias pessoas a importar produtos a preços mais baixos de fábricas estrangeiras, o que arruinará gradualmente os artesãos e os fabricantes do Estado que não poderão sustentar-se trabalhando a taxas tão baixas devido ao elevado custo de vida."
Ao invés de um fenómeno temporário, o aumento da oferta monetária tem consequências duradouras:
"Quando a sobreabundância de dinheiro das minas diminuiu o número de habitantes num Estado, acostumou aqueles que permanecem a despesas excessivas, elevou os preços dos produtos agrícolas e os salários do trabalho para níveis elevados, e arruinou o fabrico do Estado através da compra de produtos estrangeiros por proprietários e trabalhadores de minas, o dinheiro produzido pelas minas irá necessariamente para o estrangeiro para pagar as importações. Isto irá gradualmente empobrecer o Estado e torná-lo, de certa forma, dependente de estrangeiros a quem é obrigado a enviar dinheiro todos os anos à medida que é extraído das minas. A grande circulação de dinheiro, que foi generalizada no início, cessa; A pobreza e a miséria seguem-se e a exploração das minas parece ser apenas vantajosa para aqueles que nelas trabalham e para os estrangeiros que assim lucram."
De volta à impressão de dinheiro por parte do BCE e à inflação que insistem em dizer que não existe, ou que é saudável numa economia, Cantillon teria argumentado que todo esse dinheiro extra resultaria eventualmente em preços mais altos, mas que não seria necessariamente nos preços nas lojas onde se veriam as evidências, ou que seria proporcional ao aumento da oferta. Tudo depende de quem recebe o dinheiro primeiro, e o que querem comprar:
"Concluo, com tudo isto, que, duplicando a quantidade de dinheiro num Estado, os preços dos produtos e das mercadorias nem sempre são duplicados. O rio, que corre e serpenteia no seu caminho, não fluirá com o dobro da velocidade quando a quantidade de água é duplicada. A variação dos preços relativos, introduzida pelo aumento da quantidade de dinheiro no Estado, dependerá da forma como este dinheiro é direccionado para o consumo e a circulação. Não importa quem obtenha o novo dinheiro, irá naturalmente aumentar o consumo. No entanto, este consumo será maior ou menor, de acordo com as circunstâncias. Será mais ou menos direcionado para certos tipos de commodities ou mercadorias, de acordo com o acórdão daqueles que adquirem o dinheiro"
Em vez de barões nobres serem os principais beneficiários de novos fornecimentos de ouro, hoje os mais próximos da sede do poder monetário são os bancos, os fundos de retorno absoluto e outros investidores ricos. Como no tempo de Cantillon, isto significa que os mais próximos do poder podem comprar activos a baixo custo antes da população em geral. A população em geral fica piorar, quer por ter de comprar activos sobrevalorizados, quer por ver a sua moeda desvalorizada, quer mesmo por ambos.
Voltando aos dias de hoje, a escala da expansão da oferta monetária não tem precedentes. Tanto na Europa, como nos EUA, a impressão de dinheiro tomou proporções históricas.
Este é o gráfico M2 da Zona Euro, o indicador da quantidade de dinheiro em circulação:
E nos EUA:
E novos pacotes de estímulos estão já a ser equacionados, quer pela Europa quer pelos Estados Unidos.
As coisas podem acontecer rapidamente, mas só são visíveis na plenitude do tempo. Embora os mercados bolsistas (particularmente as acções tecnológicas) tenham beneficiado das grandes injecções dos bancos centrais, o ouro e outras reservas de valor (por exemplo, a bitcoin) ganharam ainda mais.
O que tem Bitcoin a ver com isto?
A bitcoin permite, tal como o ouro (mas melhor, mais rápido e mais liquido), preservar o fruto do seu trabalho (o dinheiro) no tempo. Históricamente a bitcoin cresce, em média cerca de 200% ao ano.
A evolução do preço, a preto, mostra que embora a bitcoin seja volátil num horizonte temporal curto, a longo prazo é o melhor investimento e reserva de valor onde pode refugiar-se da inflação!